Exames de neuroimagem revelam semelhanças entre a compulsão por alimentos calóricos, obesidade e uso de substâncias que causam dependência química
Inúmeras evidências científicas demonstram que o comer
compulsivo e o consumo de drogas envolvem circuitos cerebrais com funcionamento
semelhante. Essa constatação tem oferecido nova compreensão da obesidade e
aberto caminhos para possibilidades de tratamento. Mas, afinal, que circuitos
do cérebro são ativados pela adicção – seja de comida ou de substâncias
tóxicas?
O sistema neural ativado tanto pela ingestão compulsiva de
alimentos quanto pelo consumo de drogas é basicamente o circuito que evoluiu
para recompensar comportamentos essenciais à sobrevivência. Em geral, as
pessoas são atraídas pelos alimentos porque isso é recompensador e produz
prazer. Quando experimentamos prazer, nosso cérebro aprende a associar essa
sensação com as condições que o predispõem a isso. Essa memória fica mais forte
à medida que, nesse ciclo, a predição, a busca e a obtenção do prazer são
repetidas e tornam-se, aos poucos, mais frequentes, criando condicionamento. E
as drogas são eficientes nesse processo.
Estímulos naturais como comida ou sexo levam mais tempo para
ativar o circuito da recompensa. O condicionamento, porém, estabelece um elo
entre a memória, o estímulo e o ambiente. É exatamente isso que a natureza
“pretende”: se a ação necessária para atingir uma experiência prazerosa for
disparada exclusivamente pelo estímulo em questão, a resposta condicionada será
muito ineficiente. Uma vez criada a memória condicionada, a resposta torna-se
um reflexo – presente no uso abusivo de drogas e na ingestão compulsiva de
alimentos.
Por essa razão, alimentos altamente calóricos são mais
propícios a desencadear um desejo compulsivo por comida. Como os caçadores, nem
sempre conseguimos uma presa, e alimentos calóricos, com grandes quantidades de
energia, contêm um apelo maior: a suposta garantia de sobrevivência. Ao longo
do processo evolutivo, fomos compelidos a consumir a maior quantidade de comida
que pudéssemos encontrar. E esses estímulos serviam de reforço. Mas, agora,
quando abrimos a geladeira, temos 100% de certeza de que vamos encontrar alguma
coisa para comer. Nossos genes mudaram pouco, mas em nosso entorno estamos
sempre cercados de alimentos com altos teores de açúcar e gordura, que
contribuem para o aumento da obesidade.
Crises de desejo
Se Pavlov pudesse analisar o funcionamento do cérebro dos
cães que utilizava em seus experimentos, provavelmente teria notado um aumento
na dopamina sempre que os animais viam a luz que tinham associado à oferta de
carne. A dopamina nos informa sobre o que é importante: pequenos indícios de
informação inesperada a que precisamos estar atentos para poder sobreviver –
alertas sobre sexo, alimento, prazer, perigo e sofrimento. Ao mostrar certos
alimentos a voluntários de uma pesquisa, previamente condicionados, é possível
observar um aumento de dopamina no striatum, região do cérebro envolvida nos
processos de recompensa e motivação comportamental.
Mas é preciso observar que esse aumento de dopamina só
ocorre quando os participantes do estudo, já avisados de que não poderiam comer
o alimento, apenas o olham e o cheiram. E esta é exatamente a mesma resposta
neuroquímica que surge quando dependentes químicos assistem a um vídeo de
pessoas consumindo drogas ou qualquer outra imagem relacionada. A mensagem
recebida quando a dopamina é liberada no striatum é a de que é preciso agir
para alcançar certa meta, no caso, obter o objeto de desejo.
No cérebro de dependentes de drogas e de pessoas obesas
também encontramos um número reduzido dos receptores dopamina D2 no striatum.
Talvez essas descobertas revelem que o sistema nervoso está tentando compensar
ondas de dopamina liberadas por estímulos contínuos de drogas ou de alimentos.
Outra possibilidade é que, de início, essas pessoas talvez disponham
naturalmente de poucos receptores, o que pode predispô-las a aumentos
crescentes de doenças causadas pela dependência. É interessante notar que
encontramos uma correlação negativa entre a disponibilidade de receptores D2 em
indivíduos obesos e seu índice de massa corpórea (IMC); ou seja, quanto mais
obesa for a pessoa, menos receptores ela tem.
Predisposição a excessos
Parece haver, portanto, indivíduos mais predispostos ao uso
de drogas ou a comer demais. Estudos realizados com gêmeos mostram que
aproximadamente 50% do risco para as duas tendências é genético. Mas os genes
envolvidos começam a atuar em níveis muito diferentes – há variações em relação
à eficiência com que metabolizamos certas drogas ou alimentos, à inclinação
para nos arriscarmos ou nos engajarmos em comportamentos exploratórios que
oferecem riscos mais específicos e no que diz respeito à sensibilidade que
sustenta o sistema de recompensas de cada um.
Nos casos de obesidade, algumas pessoas podem se arriscar
mais ao comer compulsivamente porque podem ser excessivamente sensíveis à
recompensa por alimentos. Um estudo mostrou que a atividade cerebral de alguns
obesos aumentava em resposta a sensações nos lábios, boca e língua. Já outros
respondem com muito menos eficiência ao registrar sinais internos de saciedade,
ou ao responder a eles, sendo assim muito mais vulneráveis aos desejos
desencadeados pelas ofertas de alimento do ambiente.
A sobreposição entre dependência e obesidade pode revelar
novos alvos para tratamento. Há intervenções farmacológicas ainda não
exploradas, como a medicação que aumenta a resposta da dopamina no cérebro. Um
desenvolvimento animador é a síntese recente de uma droga administrada
oralmente que bloqueia a orexina, um peptídeo que reforça o nível “alto”
associado ao consumo de bebidas alcoólicas, e acredita-se que regule sua
ingestão. Essa droga poderia ser extremamente útil no tratamento de pessoas que
utilizam drogas e comem de forma abusiva. Além disso, devido ao estigma social,
tanto a obesidade quanto a drogadicção podem levar o indivíduo a um estado de
isolamento, que é muito estressante e desencadeia um círculo vicioso de solidão
e autodestruição. Nesses casos, a terapia de grupo pode ser extremamente
benéfica.
Injeções de morfina
Quando se fala na associação entre uso de substâncias
tóxicas e obesidade, outra área muito promissora de estudo é o uso de imagens
de ressonância magnética funcional (fMRI) em tempo real para ensinar as pessoas
a exercitar partes específicas do cérebro. Por esse método, o anestesiologista
Sean Mackey, professor do Laboratório de Dor da Universidade de Stanford, e o
neurocientista Christopher De Charms, do centro de tecnologia e pesquisas em
neuroimagem Omneuron, em São Francisco, treinaram pessoas saudáveis e pacientes
com dores crônicas para controlar sua atividade cerebral e modular suas
experiências de desconforto. Dessa forma estamos explorando a possibilidade de
que se possa usar esse tipo de técnica para ajudar homens e mulheres a
controlar a região do cérebro chamada de ínsula, associada ao desejo compulsivo
por alimentos e drogas. Os fumantes que tiveram uma lesão nessa área depois de
um derrame cerebral parecem perder a vontade de fumar.
Um obstáculo para recuperar comilões compulsivos esbarra
numa questão social. Enquanto o usuário de drogas está de certa forma
protegido, já que o consumo da droga é ilícito e a substância nem sempre está
disponível de forma óbvia, a comida é anunciada e encontrada em qualquer lugar
do planeta, nas mais diferentes formas. Uma das intervenções terapêuticas para
usuários de drogas, inclusive, é ensiná-los a evitar locais onde seus hábitos
são praticados livremente. Mas como fazer isso com comida? É praticamente
impossível, o que causa um sofrimento adicional aos obesos, fazendo com que
muitas vezes se sintam socialmente excluídos.
Em ratos, verificou-se que se lhes for oferecida uma dieta
rica em açúcar e depois for administrado um antagonista opióide chamado de
naloxone, pode haver o desencadeamento de carência alimentar semelhante à que
ocorre com animais que receberam naloxone depois de repetidas injeções de
morfina. Esse resultado indica que a exposição crônica de ratos a dietas com
altos níveis de açúcar produz neles dependência física. Nos humanos, ocorre um
processo análogo. Dessa forma, verifica-se que intervenções com o objetivo de
mitigar os sintomas da retração podem ser benéficas para aqueles submetidos a
dietas rigorosas.
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