Todo mundo concorda que estupro é um dos piores crimes que existem. Ainda assim, 99% dos agressores sexuais estão soltos - e eles não são quem você imagina. Culpa de uma tradição milenar: o nosso hábito de abafar a violência sexual a qualquer custo. Entenda aqui por que é tão difícil falar de estupro.
Segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, todos
os anos cerca de 50 mil pessoas são estupradas no Brasil. Esses são os números
oficiais, obtidos a partir da papelada formal. Mas eles não correspondem à
realidade. O estupro é um dos crimes mais subnotificados que existem
e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada estima que os dados oficiais
representem apenas 10% dos casos ocorridos. Ou seja, o verdadeiro número de
pessoas estupradas todos os anos no Brasil é mais de meio milhão. Nos EUA, onde
existem dados longitudinais, de acordo com o Center for Disease Control and
Prevention, uma em cinco mulheres vai ser estuprada ao longo da vida.
Os casos registrados são baixos porque existe um comportamento
persistente que cerca o estupro: o silêncio. Vítimas não denunciam seus
agressores, policiais não investigam as acusações, famílias ignoram os pedidos
de ajuda, instituições não entregam seus criminosos - esses mecanismos
invisíveis fazem com que 90% da violência sexual jamais seja conhecida por
ninguém. E isso, sim, é um crime ainda maior do que a soma de cada caso.
Apesar de entendermos o estupro como um dos piores
crimes que podem acontecer a alguém - segundo pesquisas sobre percepção de
crueldade, ele só perde para o assassinato -, somos estranhamente incrédulos
para acreditar que ele realmente acontece. O estupro é o único crime
no qual a vítima é julgada junto com o criminoso. Imagine que roubaram o seu
celular e você decide fazer um B.O. Agora imagine que o delegado que pegou o
seu caso resolve perguntar onde você foi assaltado, que horas eram e se você
era conhecido por trocar de aparelho o tempo todo. Depois ele pergunta se você
tem certeza de que o assalto realmente aconteceu ou se você não deu o celular
ao bandido por vontade própria. Se você então explica que o roubo foi de
madrugada e depois de você ter tomado umas cervejas, o delegado decide - por
conta própria - que não houve crime algum: você estava na rua e bêbado, quem
pode garantir que você está falando a verdade? Ou então, pior, quem disse que
você não queria ter sido assaltado?
Isso acontece com quem foi estuprado o tempo todo. Mulheres
relatam como são recebidas com desconfiança quando resolvem contar suas
histórias para alguém. Pessoas perguntam que roupa ela vestia, onde ela estava,
que horas eram, se estava bêbada, se já não havia ficado com o estuprador
alguma vez, se deu a entender que queria fazer sexo e até se já teve muitos
namorados antes. E essas perguntas podem vir de qualquer um. Foi o que
aconteceu com a menina Maria*, por exemplo, estuprada pelo avô aos 14 anos.
Quando ela resolveu pedir ajuda à avó, ouviu que a culpa havia sido dela.
"Você saiu do banho de toalha na frente do seu avô, que não sabe controlar
os instintos." O avô seguiu normalmente a vida, e Maria viveu com a culpa
de quase ter desestruturado toda a sua família, como insinuou a avó.
Comentários assim surgem de amigos, familiares, policiais, médicos, advogados -
e até de juízes. Todas as instâncias trabalham para abafar o crime e jogar o
assunto para baixo do tapete. Todas mesmo.
Por que o silêncio vence:
- 78% dos brasileiros acham que o que acontece entre um casal em casa não interessa aos outros.
- 63% pensam que casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família.
E
como a culpa cai no colo delas:
- 59% dos brasileiros concordam que existe "mulher para casar" e "mulher para a cama".
- 58% acreditam que, se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros. Fonte: IPEA
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